quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Dilema de hoje em dia

Todos os sábados elas se encontravam para um chá. Cada sábado era na casa de uma delas. Bom mesmo era o de erva-cidreira com maçã, fantástico, perfumava a casa toda, mas tinha café coado na hora e ainda chá de canela pra quem tivesse gripada. Ah e claro, comida, muita comida. Bolo de fubá, pão de queijo, queijo fresco que nunca falta nas mesas daqui... E aquele bando de mulheres conversando ao mesmo tempo. Mal sabiam elas que o prazer era a companhia, nem precisava da comida, talvez só o chá. E um queijinho que também não mata ninguém.
Mas o fato é que começaram a perceber que Celinha andava triste, falava cada vez menos, não tinha nada pra contar e ficava ouvindo as amigas só com os ouvidos, porque a cabeça estava longe.
- Ta deprimida, coitada! Dizia uma.
- Isso é hipotireoidismo! Tenho certeza! Olha o ganho de peso, eu não ia falar nada, mas ela está cada dia largueando mais, vocês não viram?
- Vocês estão todas enganadas, isso sempre tem o mesmo nome: Amante! Mulher não fica desse jeito se não for outra mulher na jogada!
E Celinha continuava lá, perdida em seus pensamentos.
Até que uma delas teve a brilhante idéia de colocar uma pergunta em discussão.
- Qual é o pesadelo de cada uma no momento?
E eis que começou o desfile de respostas:
- Dieta, tá me matando!
- Meu filho que foi pro Canadá, choro todo dia de saudade!
- Minha empregada, como sempre; ou eu mato a distinta, ou ela vai acabar comigo.
... E chega a vez da Celinha falar. Todas pararam de comer e falar ao mesmo tempo para prestar atenção.
- Meu pesadelo? Ah gente, não sei! Assim... deixa eu ver. Tem um sim, mas vocês prometem que não vão rir de mim?
- Falo logo Celinha, enquanto ele ficar guardado aí, nenhuma de nós pode te ajudar.
- Bom, meu atual pesadelo se chama Internet.
Kkkkkkkkkkk Não adiantou nada ter avisado, foi um riso geral...
- Eu sabia, vocês não me levariam a sério.
- Calma gente, deixa a coitada falar. Vamos Celinha, a palavra ainda é sua.
- Bom, todos sabem que meu marido é engenheiro de softwares e que eu vendo mudas e plantas. Lá em casa, mas parece um laboratório do que uma casa comum. Ele passa noites e noites ali, estudando, lendo, fuçando, buscando. Parece que quanto mais busca, mais precisa buscar. Fala um monte de nome estranho, que eu não sei o que é e nem para quê serve. Up grade, download, Bluetooth, wirelless... Isso está me enlouquecendo.
Tenho me sentido uma estranha no meio daquele universo. Um dia desses, me chamou correndo pra ver que ele tinha conseguido falar com um amigo dos tempos de faculdade que agora está morando no México. Depois, falou com não sei quem que não via a quinze anos. Puxa vida, tudo isso é lindo, entendo perfeitamente, mas aqui, no tímido banco da minha insignificância tecnológica eu percebo que assim como até as armas foram criadas para o bem e a coisa dispersou a tecnologia também está indo para o mesmo caminho. Se esta evolução tecnológica traz de volta quem está longe, ela afasta quem está perto. Vejo a minha filha no shopping com as amigas, cada uma falando no celular. Dispensa-se quem está aqui do lado, pra buscar quem está lá do outro lado. Pra quê dormir comigo, se ele pode dormir com qualquer outra companhia, à distância? É cada um conectado com uma pessoa distante e cada vez menos conectado com quem está no quarto ao lado, na sala ao lado debaixo do mesmo teto.
Silencio mortal. Todas elas se entreolharam, ninguém ousou dizer uma palavra.
- Já sei amiga! (Falou a mais corajosa delas.) Tudo que você disse é fato e em algum momento uma de nós aqui viveu um desses papéis. Mas, se você não pode com eles, junte-se a eles! Nós vamos te tirar desse lugar.
A partir daquele dia a vida de Celinha mudou completamente. Hoje ela tem seu próprio computador, email, facebook. Aprendeu a projetar jardins, criou uma página para os seus projetos, reencontrou suas amigas espalhadas pelo mundo e não tem tempo para mais nada.
Ah! O marido? Tá deitado esperando ela terminar esse texto!

Leila Rodrigues

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

O herói do meu silencio

Gosto de São Paulo. Gosto de andar pelas ruas de São Paulo. Me sinto a pessoa mais comum do mundo, mas também me sinto parte dele, ainda que ínfima e isso é tudo de bom!
Ali, naquele diversidade louca, onde se tem pessoas de todos os tipos, de todos os jeitos, de todos os gostos, de todas as tribos, de todos os lugares; eu me perco e me encontro.
Me perco no meio de tanta gente, de tantas opções e me acho nas minhas escolhas, nas minhas atitudes e decisões.
Como seria um mundo sem diversidade? Já pensou, uma cidade só de adolescentes, outra só da terceira idade, um estado só de balzáquias, outro só de gays, que horror!
Cada um na sua, no seu... no seu telefone, no seu carro, nas suas máscaras, nos seus clubes, nas suas redes, nos seus grupos. Sim, nos seus grupos, nas suas comunidades.
Hoje existe comunidade para tudo, até para os sem interesse em se comunicar, pode? É comunidade das bordadeiras, dos abstênios, dos anônimos (de qualquer coisa), das mães das crianças portadoras de pancreatite, dos mecânicos, dos opaleiros... e por aí vai, sem falar nos tradicionais e conhecidíssimos grupos que já tomaram fama mundial.
Incrível como as pessoas vão se encontrando, vão se juntando, vão se formando. É como se buscassem os seus pares, os seus irmãos espalhados pelo mundo, qualquer um que tenha as mesmas opiniões, os mesmos interesses, para então curtirem juntos suas opções comuns.
Eles se acham, se entendem, se defendem, se formam. E uma vez formados eles nunca mais são um só. É como se juntos eles criassem uma força avassaladora, um poder que não se explica numa conta matemática onde um mais um são dois, porque um mais um, neste caso, são vinte e cinco.
Quantos pecados mortais antes guardados a sete chaves, hoje são discutidos, impressos, legalizados, defendidos! Quantas idéias e opiniões ocultas isoladas durante anos, hoje viraram leis, livros, cotidianos.
Herói do meu silêncio é você que puxou este cordão, que foi o primeiro da fila, que pagou o preço alto desta coragem. Você que mostrou sua cara, que escancarou seus valores, ou que, discretamente abriu sua boca e começou tudo.
Você é um herói. O herói do meu silêncio.

Leila Rodrigues

domingo, 13 de fevereiro de 2011

A mesa

Todo dia aquela mesa estava ali, estática, paralisada, amortecida. Todos passavam para lá e para cá e a coitada continuava ali. De vez em quando alguém colocava um papel por alguns minutos enquanto tomava uma água ou falava com alguém, outros se encostavam nela enquanto esclareciam um problema qualquer com um dos colegas. Ninguém sabia nem a cor daquela mesa, também, com aquele forro pardo e um plástico por cima, a coitada não tinha identidade. Não havia bancos ao seu redor que era para não ter perigo de alguém sentar para tomar um cafezinho e demorar. Eu de vez em quando me questionara se aquela mesa não seria um patrimônio dos primeiros moradores da casa que foram embora e não tiveram coragem de levar a mesa, tal a sua falta de expressividade. Cheguei a imaginar, no auge dos meus devaneios, o quanto a pobrezinha deve ter sofrido. Ser abandonada pelos próprios donos, que triste fim, ou melhor, que triste continuidade, já que a coitada ainda estava ali e em boas condições de uso. Era uma mesa numa sala quase vazia. Ou seria uma mesa vazia numa quase sala? Não sei.
Naquela segunda eu cheguei ávida por um café e quando entrei na copa, levei um susto. O que foi que aconteceu com a mesa????
- Dorotéiaaaaa!!!!! (a nossa copeira), o que foi que fizeram com a mesa?
- Sei não senhora dona Luiza. Cheguei aqui hoje as 06:00 da manhã e ela já não estava mais aqui. Graças a Deus, menos uma coisa para limpar.
- Perguntei pro Julinho, pro Fernando (que são da administração e sempre sabem o fim de tudo), mas nada, ninguém sabia.
Bom, no primeiro dia todos comentaram da “coitada”. Até aqueles que nunca nem olharam pro lado da fadada, porque nunca entram na copa, foram até lá para saber como ficou a sala sem a “dita cuja”. Parecia morte de ex-celebridade, todo mundo tem um comentário a fazer do defunto. Não faltam elogios, nem difamações...
No segundo dia acho que só eu me lembrei da mesa. Tudo seguiu igual...
No terceiro dia chegaram três mesinhas novas, aquelas bem fraquinhas, feitas para uma pessoa só, que durariam coisa de dois anos, no máximo. O escritório estava crescendo, a copa viraria mais uma sala para a equipe de RH que não tinha lugar pra ir...
E os dias se passaram... E como qualquer outro escritório em qualquer lugar do mundo, fomos todos pra casa do Edgar tomar uma cervejinha depois do expediente. Edgar estava de casa nova, tinha acabado de assumir seu namoro com o Jonas e resolveu ter seu próprio canto. Edgar é daquelas pessoas que vê beleza em tudo, tem um olho clínico. Basta ele ajeitar a gola da minha camisa e eu tenho certeza que fiquei dez vezes melhor. Poucos homens nascem com este dom.
Então, eis que cheguei na casa do Edgar para a nossa cerveja e a minha primeira surpresa foi então: a mesa!
Me emocionei! Juro! Fiquei uns quinze minutos ali diante dela. Eu a reconheci pelos pés, aliás eu achava que eu era a única pessoa que conhecia aqueles pés. Me enganei, o Edgar também.
Pasmem! Ela estava lá, num canto, linda! Cheia de apetrechos, livros, flores, abajur, tudo de bacana. Debaixo dela, caixas, malas antigas e um vaso. Acima dela descia do teto uma luminária que deixava tudo dourado... um luxo.
Vou confessar, quis ser aquela mesa. Fiquei um tempo ali, contemplando aquele canto lindo e conversando com a mesa.
- Que bom te ver aqui e te ver assim tão bela, tão cult, tão imponente. Para você que soube, calma e tranquilamente, esperar o seu dia de brilhar eu ofereço o meu sorriso e a minha admiração. E espero, sinceramente, que eu consiga dar na minha vida a mesma guinada que o Edgar deu na sua.

Leila Rodrigues

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Primeira Palavra

Sempre gostei de escrever. Quando estava feliz, escrevia meu sorriso; quando triste, chorava no papel. Mas, principalmente quando não conseguia dizer o que me cabia na alma, usei das letras para me expressar.
Pelas palavras pude entender o quanto a felicidade é simples e é exatamente isto que eu procuro dizer em tudo que escrevo.
Geralmente quem gosta de escrever, gosta de ler. E não poderia deixar de lembrar aqui das minhas duas grandes inspirações: Adélia Prado e Rubem Alves. São eles que, nos momentos de desânimo, me devolvem a vontade de escrever.
Adélia me lembra minha mãe, pessoas que traduzem por si, sabedoria e grandeza no jeito tão simples de ser. Limpas e descomplicadas, gigantes e incansáveis.
Rubem Alves é como um mentor, é quem me ensinou que amadurecer, ou envelhecer, como queiram chamar, é fascinante. Gosto mais de mim depois que li vocês dois. E um dia, ainda hei de encontra-los, para reverenciá-los como bem merecem.
Em comum, somos mineiros. Conhecemos e vivemos a simplicidade de ser feliz!

Palavras por quê?

Palavras porque revelam,
palavras porque retratam,
palavras porque dividem,
palavras porque se fundem...